Querido colega,
Escrevo do sul de Santa Catarina,
onde uma vez ao mês venho dar aulas na Universidade do Extremo Sul
Catarinense e fazer o programa de rádio ao vivo.
Bem, continuemos nossas conversações sobre a
Escócia.
Sobre vestuário, quanto levar, providências a
tomar, aquelas dez mil coisas de viagem que são apenas umas três ou
quatro, não me ocuparei delas nestas cartas. Basta ler o que escrevi
nas cartas para Grécia e Israel, que os meninos colocaram online,
para se ter uma ideia sobre isso. Tudo o que está lá nas cartas
segue sendo atual. Por isso, temos aqui a chance de aprofundar as
conversações em direção a elementos outros.
Não sei de Merleau-Ponty esteve na Escócia e
pouco conheço de suas andanças pelo mundo, mas ao ler O Olho e o
Espírito, aquelas considerações sobre perspectiva, as citações de
pintores e autores encadeados, típicas no filósofo, sobretudo sobre
as composições, temos a Escócia. Ele a explica sem citar uma só vez.
Não se pode conhecer aquele país em linha reta, não se pode viajar
correndo, não há como ser inglês após Edinburgh, e a chance de se
vivenciar os cartões postais daqueles cenários é precisamente em
perspectiva. Não é isso o que costumam dizer, mas é isso que
costumam viver. A história escocesa possui muito desta concepção
geográfica das coisas, um lugar onde a filosofia e a política são
questão de montanhas. E lagos e verdes e mares emolduram os vales. A
Escócia é um país de língua inglesa que não parece ser. Aqueles
carregamentos no érre, a cadência e a arrancada propiciam a muitos
visitantes a impressão amiga de que os nativos também são
visitantes. E isso é quase uma verdade, se tomarmos o jeito amistoso
do escocês.
Como você faz quando está diante de um vale no
qual o sol ilumina delicadamente as encostas farpadas dos cumes, um
lago sereno e azul se encosta suavemente entre uma campina e um
promontório, e as nuvens desenham ao redor do céu de outono? A
paisagem vai lá e nós aqui? Nós e paisagem nos mesclamos? Nos
tornamos paisagem? Ou o que? Merleau-Ponty, não é?
Penso que parte das respostas a isso a gente
descobre lá. É a melhor parte.
Um abraço,
Lúcio
(21 de março de 2011) |
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