Será que você só não se esqueceu de descer da cruz?
Filósofo clínico Lucio Packter pondera que a vivência de um trauma não precisa durar a vida toda.
(esquerda para a direita: Arlei
Castilhos, Lucio Packter, Paulo Cesar. Professores titulares de Filosofia
Clínica em Dourados, Mato Grosso do Sul)
Na vida da gente, vários acontecimentos podem gerar dor e tristeza. Mas também temos muitas passagens que são de alegria e felicidade. São as vivências, experiências de vida, que acabam estruturando o pensamento e se constituindo no modo como vemos e nos relacionamos com o mundo.
Nesse percurso existencial, muitas pessoas parecem estar sempre vivenciando traumas do passado a cada dia. "Algumas pessoas se esquecem de sair da cruz", diz o professor Lucio Packter, o maior divulgador da Filosofia Clínica no Brasil. Essa alternativa de tratamento é baseada na historicidade do indivíduo.
Assim, a Filosofia Clínica tem como objetivos o autoconhecimento e alguns aprendizados do paciente, como o valor do perdão e do amor, nas relações com as pessoas. Ele aprende também a desvendar os sofismas do nosso tempo e a ouvir as vozes dissonantes, que nos avisam de riscos existenciais iminentes.
"Cada vez que uma pessoa vivenciar determinadas coisas e essas coisas não disserem respeito a ela, dentro daquilo que são suas prerrogativas, é muito provável que essa pessoa sentirá várias sinalizações internas avisando-a disso", diz o filósofo. A somatização é um exemplo de voz dissonante.
Lucio Packter - que é autor dos livros, "Filosofia Clínica - propedêutica", "Aspectos Matematizáveis em Clínica - admissão à Matemática Simbólica", "Armadilhas Conceituais", "Semiose - aspectos traduzíveis em clínica" e "Buscas - caminhos existenciais" - que está ministrando um curso em Dourados, do qual participam médicos de várias especialidades e outros profissionais da saúde, interessados em entender melhor os seus pacientes.
corpo&mente: A Filosofia Clínica
não se confunde com a Psicoterapia?
Lucio Packter: Não. A Filosofia Clínica é baseada única
e exclusivamente em 2.500 anos de filosofia. Todo
fundamento dela vem da filosofia acadêmica, desde os
pré-socráticos, passando por toda a filosofia medieval,
moderna e contemporânea, ela agrega lógica,
epistemologia , analítica de linguagem, tudo isso.
corpo&mente: O senhor fala que há
grandes sofismas em nossa época, e a autoestima é um
deles?!
Lucio Packter: Há muitas falácias em nossa época, uma
delas é de que a pessoa tem que se aceitar, tem que se
gostar, tem que se amar. Isso corresponde em boa parte
dos casos a um elemento falso; enganoso, inclusive.
Muitas pessoas funcionam muito bem e sequer pararam para
pensar nelas mesmas. Tem muita gente que gosta do
trabalho que faz, gosta da família que tem, mas nunca
parou um minuto para se questionar quem ela é, se ela se
gosta ou não. Isso nem faz parte do acervo existencial
dela, mas para outras pessoas, também é verdade, a
autoestima é muito importante. Elas não conseguem viver
se elas primeiro não tiverem um amor por elas mesmas. A
questão, claro, é diferenciarmos quando é uma coisa e
outra. Há muita gente que fica impressionada, dizendo,
?ah! eu não me gosto, não me aceito?, e acha que isso é
um problema, quando de fato a pessoa nem sente isso como
um problema, só acredita que possa ser.
corpo&mente: A história de vida é
uma narrativa livre?
Lucio Packter: Não, não é uma narrativa livre. O
filósofo vai trabalhar a questão com a pessoa. Tem
muitos elementos, às vezes, quando a pessoa está
fortemente perturbada, ela mistura todos os fatos, é
como você pegar um livro, cortar as páginas e embaralhar
tudo. Na hora que você tenta entender uma coisa, você já
nem sabe do que está falando. Então, você atribui a sua
depressão ? ou que você chama de depressão ?, a sua
esposa, quando na verdade é ela que está salvando você
de tudo, mas como as páginas estão embaralhadas, você
não tem ideia do que é e do que não é. Por isso, o
filósofo tem vários elementos para tirar a historicidade
da pessoa. Ele cuida como é feita a sequência, o modo,
tudo isso de maneira organizada, usando a analítica de
linguagem, lógica, epistemologia, filosofia da história
para conduzir esse processo.