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ISTOÉ ( agosto de 1997 ) O divã sumiu e quem dá os fundamentos teóricos para a solução dos conflitos psíquicos dos pacientes são Platão, Aristóteles, Kant e Nietzsche. Uma nova terapia começa a ser praticada no Brasil para curar as feridas da alma: a Filosofia Clínica. Compete diretamente com psicólogos e psicanalistas. Até o final do ano, mais de 300 filósofos terão trocado as longas noites solitárias de leitura ou as salas e aula das universidades para se engajar na árdua tarefa de ajudar seu semelhante. Criada em Porto Alegre, há dois anos, a Filosofia Clínica se espalhou por São Paulo, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, Curitiba e Florianópolis. Os principais alvos são desequilíbrios emocionais provocados por conflitos profissionais, familiares ou passionais. A secretária gaúcha M.C.S., 17 anos, entrou em crise ao descobrir que não era filha daquele que sempre pensou ser seu pai. “Comecei a beber. Brigava e gritava”, lembra ela. A mãe encaminhou a moça ao psicólogo. Depois de três meses, como não houve resposta, M.C.S. pediu socorro aos filósofos clínicos. “A filosofia me ajudou a recuperar o autocontrole”, diz. Tudo começou na Holanda e na França nos anos 80, quando filósofos abriram consultórios de aconselhamento. Foram os primeiros ensaios para saírem do academicismo dos livros. Na Alemanha, ainda hoje, teóricos colocam uma placa na porta com a expressão “práxis filosófica” e atendem a leigos que desejam discutir questões intelectuais como a origem do mundo ou a separação entre corpo e mente, numa espécie de diletantismo remunerado. No Brasil, entretanto, a filosofia se transformou em prática clínica e gerou polêmica. “O saber filosófico ajuda, mas é insuficiente para viabilizar a terapia. Escutar o outro não é hábito do filósofo”, alfineta a presidente da Associação Psicanalítica da capital gaúcha, Ana Medeiros Costa. O psicanalista Ernildo Stein, 63 anos, professor de Pós-Graduação em Filosofia da PUC/RS, também tem suas desconfianças quanto à eficiência da nova prática. Ele adverte que a terapia filosófica pode mascarar sintomas. “Eles são simplórios. Pensam que podem decifrar a complexa relação entre terapeuta e paciente com base apenas num ecletismo filosófico. Essas novas terapias surgem como cogumelos depois da chuva, mas não passam de surtos transitórios.” O idealizador da Filosofia Clínica. O filósofo Lúcio Packter, 35 anos, rebate as críticas: “A Filosofia é a mãe de todas as formas de conhecimento. Se houver conflito com outras áreas do saber, então, será ma briga em família, o que não é bom para ninguém.” Em 1995, ele fundou o Instituto Packter e formou a primeira turma de filósofos terapeutas. Há 20 dias, registrou em cartório um código de ética da profissão e lançará em setembro um livro sobre o assunto. No próximo ano será editado um manual de 500 páginas em inglês e alemão. “A aceitação é surpreendente. Até meus professores de faculdade viraram meus alunos”, diz Packter. Para ser filósofo clínico é preciso diploma de graduação de Filosofia e um curso de especialização que dura dois anos, com 18 meses de aulas teóricas e seis meses de estágio. As diferenças em relação às terapias convencionais começam por uma questão semântica. É proibido chamar a pessoa que está sendo tratada de paciente. A palavra correta, para os filósofos clínicos, é cliente. As consultas custam R$ 30 e são feitas onde o cliente quiser, na clínica, em casa ou em parques. O terapeuta prefere usar um gravador em vez de um bloco de anotações. “O tratamento dura seis meses”, diz o filósofo Paulo Rodrigues, 38 anos. Ele largou a militância do Movimento dos Sem-Terra para implantar a Filosofia Clínica em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Na primeira fase, a pessoa é estimulada a reordenar sua história pessoal num encadeamento lógico. Depois, os filósofos detectam o modo de a pessoa externar seu modo de ser, sempre baseado em raciocínios de mestres da Filosofia como Aristóteles. “Queremos decifrar o que impede a pessoa de funcionar existencialmente”, filosofa Rodrigues. Por explicações herméticas como essa, percebe-se que a Filosofia Clínica e as psicoterapias tem pelo menos um ponto em comum. Tornar os seus fundamentos impenetráveis com análises que mais complicam do que esclarecem. Freud, ou melhor, Platão talvez explique. |
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