DIÁRIO DO NORDESTE ( julho de 1998 )
  Fortaleza

  "FILOSOFIA CLÍNICA CHEGA ÀS UNIVERSIDADES"

Seu objetivo é o mesmo da psicanálise e da psicologia: ajudar as pessoas a resolver seus problemas. A forma de fazer isso, no entanto, é diferente.

No curso de Especialização com duração de um ano e meio (o último estágio é destinado a um estágio prático) os alunos aprendem toda a teoria e estão aptos para tratar os clientes (pacientes). Concebida pelo filósofo gaúcho Lúcio Packter, a Filosofia Clínica é baseada em várias tendências filosóficas: pré-socrática, empirista, analítica de linguagem, entre outras. O trabalho desenvolvido nos últimos quinze anos consistiu em adaptar 2500 anos de Filosofia em direção à clínica.

Embora ainda seja uma terapia desconhecida da maioria das pessoas, já está presente em 29 cidades de 10 estados brasileiros (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Bahia, Amazonas e Ceará), envolvendo cerca de 500 filósofos clínicos (entre formados e em formação) de faculdades reconhecidas pelo Ministério da Educação. O Ceará já conta com uma Segunda turma, cujas aulas começam na primeira semana de agosto, no Campus da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Em entrevista à jornalista Ian Gomes (aluna da primeira turma do curso de especialização em Filosofia Clínica), Lúcio Packter explica como funciona a terapia: "trata-se de uma terapia existencialista. A pessoa não é trabalhada em estereótipos, mas como pessoa. Não existem tipologias, conceitos de normal X patológico, tábuas classificatórias".

Segundo ele, "o filósofo clínico busca o entendimento da pessoa no meio em que ela vive. Ele procura soluções dentro desse contexto, sem patologia, tipologia e sem procedimentos clínicos previamente marcados. Por exemplo: em certos contextos é natural que a pessoa se sinta ansiosa e em alerta, como um salva-vidas durante o veraneio, quando é necessário que se mantenha em prontidão. Não há porque combater esse modo de ser, a não ser que ele assim queira, ou que tenhamos algum agravante a esse modo de ser", afirma.

Packter considera insuficiente o tempo de formação (1 ano e meio) para que o filósofo clínico tenha conhecimento, maturidade em lidar com o outro. "A maioria dos filósofos não lê os autores no original. O estudante, de modo amplo, está acostumado a ler comentadores. Sinto isso porque tenho que parar as aulas para ensinar coisas que os alunos já deveriam saber desde a faculdade. Considerando-se que o aluno vem de uma faculdade de Filosofia (4 anos de preparação), há uma iniciação ao menos regular, o que torna o trabalho viável, mas ainda longe do ideal".

RELAÇÃO DO FILÓSOFO CLÍNICO COM O CLIENTE

O tratamento é feito em encontros do filósofo clínico com o cliente. Na maioria das vezes se realiza em consultório, mas pode ser feito em uma praça, durante uma caminhada ou em outro local escolhido pelo cliente.

O primeiro passo é o levantamento categorial, ou seja, o filósofo identifica como o cliente está enfrentando o problema que está vivendo. Ao analisar a Estrutura de Pensamento do indivíduo, o profissional poderá relacionar as possíveis contradições ou choques nessa estrutura. O passo seguinte no tratamento, através dos chamados submodos, é estudar as diferentes formas de trabalhar essas contradições, o que significa descobrir o problema inicial.

Segundo Margarida Nichele Paulo, formada em Filosofia Clínica (Porto Alegre) e Jarbas Bett (coordenador do curso em Santa Maria, no Rio Grande do Sul), "é a própria pessoa que se dá conta e decide se quer mudar ou não". Margarida destaca que, para algumas pessoas, mudar pode ser um drama maior do que aquele que elas já estão vivendo. "Ela pode se estruturar de uma forma a conseguir viver e, se mudasse, poderia ficar totalmente desestruturada", analisa. Para os alunos, o grande mérito de Packter – criador da teoria – foi Ter adaptado várias correntes filosóficas que possibilitam ao clínico trabalhar com problemas existenciais.

FORMAÇÃO – RIGOR NA QUALIFICAÇÃO

O curso de especialização em Filosofia Clínica conta de uma série de disciplinas: esteticidade, filosofia da linguagem, lógica formal, antropologia, ética profissional, noções de fisiologia e de farmacologia, todas adaptadas à clínica. O rigor para a formação de novos filósofos clínicos pode ser medido pela determinação de Packter: "nós puxamos muito pelo aluno. Cerca de 15% dos alunos de cada turma obtém o Certificado de qualificação à clínica. A grande maioria segue em direção à pesquisa, e não faz clínica".

Sobre o crescente interesse das Universidades por incluir a Filosofia Clínica em seus currículos, Packter cita como exemplo a Universidade São Judas Tadeu e a Universidade de Sorocaba, ambas de São Paulo, e a Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro: "Muitas faculdades querem colocar a Filosofia Clínica como disciplina em cursos de graduação. Eu não me sinto tranqüilo quanto a isso. Vejo o perigo do 'engessamento' do saber. Acho que a Universidade pode dogmatizar a Filosofia Clínica, impossibilitando que pesquisas livres ocorram. A Universidade é um feudo poderoso. Mas, queira eu ou não, este caminho em direção à Universidade é inevitável".

Os alunos do curso de formação recebem uma vasta citação bibliográfica para que saibam a origem dos conhecimentos. Sobre a metodologia, Lúcio Packter enfatiza: "quando estamos na área de Humanas, não acredito em perfeição ou em infalibilidade. O máximo que se pode falar é em termos de aproximação, propensão, tendência. Não há certezas".