Filosofia Clínica é parceira para tratamentos médicos
Por
Cristiane Sekeff e Alisson Dias Gomes
cristianesekeff@acessepiaui.com.br
O
autor Lúcio Packter, filósofo gaúcho e introdutor da Filosofia Clínica no
Brasil na década de 80 conversou com o Acessepiauí sobre a
aplicabilidade dos estudos filosóficos, a diferenciação entre filosofia clínica
e psicologia, o perfil do profissional, entre outros assuntos. Packter, que
viaja por todo o Brasil dando cursos, palestras e participando de workshops,
esteve em Teresina ministrando curso. Acessepiauí
- O que é a Filosofia Clínica? Como funciona? Lúcio
Packter - Filosofia Clínica é a filosofia acadêmica utilizada em
hospitais, escolas, clínicas, instituições humanas em geral. Basicamente, ela
é uma especialização do filósofo formado nas universidades. Procura
direcionar os ensinamentos da lógica, da epistemologia, da axiologia, ética e
linguagem, entre outras disciplinas, às questões que a pessoa traz ao consultório.
Essas questões vão de uma angústia até problemas como tentativas de suicídio
em decorrência de um câncer em fase avançada. Porém, quando existir uma
manifestação física dessa ordem, o filósofo clínico trabalhará as concepções
existenciais, enquanto os médicos lidarão com os fenômenos do corpo. Acessepiauí
- Quais são os usos práticos da Filosofia Clínica? Lúcio
Packter - Considere, por exemplo, uma enxaqueca; o filósofo clínico
estudará a história da pessoa para constatar o que a causou, como se
desenvolveu e o que pode debelar tal manifestação. Isso porque às vezes a
enxaqueca já é uma excelente resposta ao que a pessoa está vivendo, sendo ela
mesma o remédio e não o que consideramos como doença. Uma ilustração disso
é quando a pessoa tem enxaqueca justamente quando vai a reuniões burocráticas
monótonas e dispensáveis para as quais sempre é inevitavelmente convidada. Acessepiauí
- Existe relação entre psicologia e Filosofia Clínica? Lúcio
Packter - Cada área tem seu campo de atuação e todas trabalham em
conjunto. Psicólogos, pedagogos, médicos, padres, professores podem fazer a
especialização em Filosofia Clínica e podem utilizá-la em suas atividades,
bem como juízes, advogados, assistentes sociais e outros. São especialistas
nesta área e têm grandes benefícios com isso, ainda que somente o graduado em
Filosofia tem o título de Filósofo Clínico. Acessepiauí
- Qual o posicionamento do senhor acerca do Ato Médico? Lúcio
Packter - Como disse há pouco, essencialmente, o filósofo lida com
questões existenciais, não utiliza tipologias, não considera termos como
normalidade ou patologia, não utiliza termos como cura e doença. Meus livros e
minhas apostilas levam estes princípios aos alunos e colegas. Exatamente por
isso não lidamos com a saúde. Entendemos a questão de outra maneira, pelo âmbito
existencial. O Ato Médico não nos diz respeito diretamente. Se eu afirmasse a
você que o filósofo clínico lida com a saúde, estaria desautorizando meus próprios
escritos e toda a minha pesquisa. Contudo, há colegas que discordam de minha
opinião sobre o assunto. Acessepiauí
- No Brasil, este é um curso ainda pouco difundido. Qual seria a
explicação para isto? Lúcio
Packter - Iniciei minha pesquisa, que levaria ao surgimento da
Filosofia Clínica, há quinze anos. Inicialmente, eu a utilizava em hospitais
no sul do país, em Santa Catarina, como complemento a pessoas com problemas
existenciais. Aos poucos, ela passou de coadjuvante à terapêutica principal. O
curso ainda é pouco difundido fora dos meios filosóficos, o que é natural.
Com o desenvolvimento dos trabalhos, aos poucos, a tendência e que a sociedade
se familiarize com o trabalho. Acessepiauí
- Qual o perfil do filósofo clínico? Lúcio
Packter - O filósofo clínico é a pessoa que obteve sua graduação
em Filosofia, depois fez a pós-graduação em Filosofia Clínica, foi aprovado
nos estágios supervisionados, e que vivencia a profundidade dos ensinamentos,
das aprendizagens. Papéis e certificados não fazem de uma pessoa um filósofo
clínico. É necessária a compreensão e o exercício desta atividade. Neste
sentido, tenho alunos médicos e psicólogos que às vezes poderiam ser
considerados filósofos clínicos, enquanto alguns que se acham conhecedores,
mesmo tendo cursado Filosofia, honestamente, ainda têm muito a trabalhar e
aprender. A Filosofia Clínica pede o exercício de uma humanidade baseada em
respeito, atenção aos cuidados, carinho. O
problema é que de tanta vigilância, os fisioterapeutas ficarão doidos e não
poderão ir a um médico psiquiatra porque estará vigente o Ato Psicológico,
pelo qual nenhum paranóico ousará paranóias como procurar gente desabilitada
a lidar com isso, como um médico. Nervosos, os médicos passarão a comer mal e
pouco, mas não poderão fazer qualquer coisa, uma vez que estarão condenados a
alimentação eterna que iniciaram devido ao Ato Nutricionista. Os próprios
nutricionistas não poderão explicar nada aos médicos para não incorrerem em
uma afronta ao Ato Pedagógico que restringe o ensino aos professores. Pena que
nessa altura os professores já tenham morrido em conseqüência do Ato Político
que, por sua vez, agonizará pelo embate entre o Ato Econômico e o Ato
Circense. Ninguém mais estará a salvo. Os
advogados serão impedidos de quase tudo pelo Ato de Direito, segundo o qual
todo o juiz prescindirá de advogados. Mediante o Ato Teológico os juízes serão
proibidos de julgar, já que isso a Deus pertence. Mas o Ato Filosófico será
supremo e cerceará a todos, já que ninguém poderá fazer algo sem o uso da
razão, o que impedirá na prática a própria Filosofia.
Vivemos uma época na qual nenhuma atividade consegue viver sem associações.
Filosofia Clínica, medicina, psicologia, pedagogia trabalham hoje em parceria e
não poderia ser de outra forma. Tenho alunos médicos, padres, advogados,
engenheiros, psicólogos, o que comprova facilmente isso.
Não existe o conceito de doença em Filosofia Clínica. O filósofo clínico
entende as manifestações em seus devidos contextos. Nesse sentido, o filósofo
clínico lidará com todas as questões que digam respeito à existência
humana.
Psicologia e Filosofia Clínica têm métodos, autores, fundamentação teórica
diferentes. Essencialmente, o filósofo lida com questões existenciais, não
utiliza tipologias, não considera termos como normalidade ou patologia, não
utiliza termos como cura e doença.
As relações entre Psicologia e Filosofia Clínica hoje são importantes e
cordiais. Muitos psicólogos têm feito o curso, dão contribuições práticas
ao desenvolvimento dos trabalhos.
No entanto, acho fundamental uma ampla discussão em torno do Ato Médico para a
compreensão profunda de sua natureza. Qual de fato é a intenção e o escopo
deste projeto, além da preocupação que o motivou? Há motivações médicas,
políticas, sanitárias, sociais? Haveria outra maneira de lidarmos com isso?
Imagine-se o caso de cada disciplina elaborar seu Ato. Ninguém poderia fazer
qualquer trabalho. O Ato Filosófico, por exemplo, praticamente tornaria inviável
partes importantes da medicina.
Confira um dos artigos de Lúcio Packter, intitulado
"Psicoterapia".
O Ato Médico, projeto de lei em discussão no Congresso,
torna privativos da classe médica todos os “procedimentos diagnósticos” e
“indicações terapêuticas”. Se aprovado poderá ameaçar a sociedade com O
Alienista, de Machado de Assis. O projeto baseia-se no saudosismo do poder que a
Igreja teve durante a Idade Média ou no corporativismo que os militares
desfrutaram durante o regime militar. A idéia acendeu os desejos de outros
setores. O Ato Enfermeiro proibirá as mães de curativos e relegará os band
aids às farmácias, mas nada poderá ser vendido em farmácia por causa do Ato
Farmacêutico. De tanto não venderem nada, os farmacêuticos terão lesões na
coluna, mas nem pensar em massagens porque o Ato Fisioterápico valerá em todo
o território nacional.
Qualquer coisa que qualquer um faça será condenado pelo Ato dos Atos que é o
projeto de lei que proíbe todas as coisas mediante a suspeita de alguma coisa
que possa invadir remotamente outra. Ninguém mais sairá de casa, ninguém dará
mais um piu, nem Bush, e juntos, em silêncio, todos aguardarão quietos, sem
piu, o Ato do Juízo Final.