Reforma psiquiátrica brasileira será modelo para projeto da OMS
por Lígia Formenti - para O Estado de S. Paulo
A reforma psiquiátrica brasileira, iniciada há oito anos,
servirá de modelo para um programa global a ser desenvolvido
pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em linhas gerais, a
proposta incluiria ampliar o acesso às terapias, garantindo
os direitos humanos, mas privilegiando o tratamento
ambulatorial.
O governo brasileiro aceitou o convite do diretor de saúde
mental e abuso de substâncias da entidade, Benedetto
Saraceno, para integrar um grupo internacional que vai
desenvolver a estratégia mundial de tratamento de pacientes
com distúrbios mentais e abuso de drogas. O diretor diz ter
consciência de que a proposta a ser preparada certamente vai
provocar críticas, que ocorrem até hoje com o modelo
brasileiro. Mas também afirma estar convencido de que a
estratégia de privilegiar o tratamento em ambulatórios e
reduzir ao máximo as internações psiquiátricas é a mais
acertada. "Reações contrárias são muito comuns quando surgem
propostas inovadoras", afirma Saraceno.
O modelo brasileiro começou a ser desenhado na década de 80,
inspirado em uma experiência italiana. A estratégia ganhou
impulso com a entrada em vigor, em 2001, de uma lei que
determina a substituição progressiva dos leitos
psiquiátricos por uma rede integrada, formada por núcleos de
atendimentos, redes de apoio, hospitais-dia. De lá para cá,
uma série de críticas surgiram. Entre elas a de que o
tratamento ambulatorial não é eficiente para todos os casos
e a de que, acabando com as vagas de hospitais
psiquiátricos, o acesso de pacientes ao tratamento fica
restrito. Em uma etapa mais recente, o problema apontado
está na lentidão da instalação da rede extra-hospitalar.
Saraceno admite haver lentidão no processo. "Mas isso não se
constrói de uma noite para o dia. Países que adotaram
experiências semelhantes apresentaram também demora na
construção da rede." Em sua avaliação, o progresso
apresentado nos últimos anos foi expressivo. "Em 2002, havia
422 CAPs (Centros de Atenção Psicossocial), hoje, são 1.394.
Com isso, a cobertura da população passou de 21% para 57%."
Ele lembra ainda que, com o programa no País, a qualidade de
vida dos pacientes melhorou.
Entre os problemas que ainda precisam ser melhorados no
Brasil, avalia, estão a ampliação da rede de assistência, o
combate à violação dos direitos humanos que, embora tenha
melhorado de forma significativa, ainda existe em parte dos
hospitais. Em sua avaliação, é preciso, também ampliar o
aumento de vagas para pacientes psiquiátricos em hospitais
gerais. "Há no País uma discussão equivocada sobre leitos
nesta área. É preciso ampliar as vagas nos hospitais gerais
e reduzir ao máximo as dos hospitais psiquiátricos."
Além do Brasil, foram convidados Egito, Itália e Holanda. A
expectativa é de que o comitê formulador da estratégia
receba nos próximos meses mais três integrantes. Além de
representações de governos, será formado um grupo com
integrantes de instituições científicas e um terceiro, com
representações da sociedade. A ideia é que, até o fim do
ano, um pacote para oito áreas prioritárias - entre elas
depressão, esquizofrenia e abuso de álcool e drogas - seja
lançado.