Como homem é, ao mesmo tempo, um ente individual e
um ente social. Como indivíduo, distingue-se de todos os outros
homens; e, porque se distingue, opõe-se-lhes. Como sociável,
parece-se com todos os outros homens; e, porque se parece,
agrega-se-lhes. A vida social do homem divide-se, pois, em duas
partes: uma parte individual, em que é concorrente dos outros, e tem
que estar na defensiva e na ofensiva perante eles; e uma parte
social, em que é semelhante dos outros, e tem tão-somente que
ser-lhes útil e agradável. Para estar na defensiva ou na ofensiva,
tem ele que ver claramente o que os outros realmente são e o que
realmente fazem, e não o que deveriam ser ou o que seria bom que
fizessem. Para lhes ser útil ou agradável, tem que consultar
simplesmente a sua mera natureza de homens.
A exacerbação, em qualquer homem, de um ou o outro destes elementos
leva à ruína integral desse homem, e, portanto, à própria frustração
do intuito do elemento predominante, que, como é parte do homem, cai
com a queda dele.
Fernando Pessoa
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